Balas perdidas?
Todas as mães e pais sonham com filhos que possam ir e voltar da escola, aprender, brincar, crescer e voltar em segurança para seu lar. Sonham com uma sociedade onde crianças não precisem fazer treinamento de confinamento para aprender a se proteger de tiroteios. Sonham que seus filhos cheguem à idade adulta sem serem atropelados por balas perdidas. O Brasil vive o drama das balas perdidas. Mas essas balas não foram “perdidas”. Alguém atirou, e alguém determinou que assim fosse.
O Brasil de hoje tem em sua segurança pública o confronto como algo aceito e estabelecido.
Segundo a plataforma Fogo Cruzado, foram mortas 47 crianças em decorrência de balas perdidas no Rio de Janeiro entre julho 2016 a setembro 2022. E, segundo a ONG Rio de Paz, 57 crianças de 0 a 14 anos foram mortas entre 2007 a 2019. Em geral são crianças pretas e pobres que vivem em favelas e perdem suas vidas pelo caminho que traça uma bala perdida. Na atual política de segurança pública brasileira, tiroteios acontecem em áreas de grande concentração urbana, em ruas onde há escolas e parques infantis.
É inadmissível que crianças morram por balas perdidas, vítimas de confrontos de uma perseguição policial que sobrepõe a captura de um “criminoso” frente à vida.
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Será que séculos de escravidão e genocídio contra indígenas e escravizados naturalizaram nosso olhar perante a violência? Séculos de violência institucionalizada, sistemática e generalizada criaram “dois Brasis”.
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Assim como os filhos de escravos eram separados de seus pais, os filhos dos moradores da periferia são sistematicamente desrespeitados. A dor de perder o filho se soma à dor da injustiça profunda de um país que declara ser democrático. Não somos um país sincero. Não há democracia no Brasil para pretos e pobres. Vivemos um apartheid velado. Em nosso país onde o Estado de Direito detém o monopólio da violência, milhares de pretos e pobres morrem todos os dias por autos de execução e balas perdidas. Precisamos absolutamente fazer a segunda abolição.
Texto de Mariana Reade e Patrick Zeiger
Texto completo no site: diversidadequemsomos