Na Mídia  |  08.04.2022

Mariana Reade e a luta por igualdade

Jornalista lança site sobre diversidade e livro infantil com personagem com Down.

O  Dia Internacional da Síndrome de Down foi comemorado em 21 de março, fazendo alusão à Trissomia do Cromossomo 21, característica genética das pessoas com a Síndrome de Down. Poucos sabem que essa data foi sugerida pelo Brasil à ONU, sendo calendário oficial comemorado pelos 193 países-membros. Não à toa, março foi o mês escolhido pela jornalista e roteirista Mariana Reade para promover seu primeiro livro da coleção “Quem sou eu?”, que revela o cotidiano de uma menina que tem um cromossomo extra; e lançar o site diversidadequemsomos.org. De um jeito leve e bem-humorado, a menina do livro expressa a esperança de um dia ser compreendida por todos. “Minha paixão sempre foi lutar contra a exclusão e o preconceito, defendendo os direitos humanos na diversidade, seja no trabalho de criação na Globo ou no trabalho de campo nas ONGs”, conta. 

Mariana, que foi autora-roteirista em programas como Central da PeriferiaBrasil Total Criança Esperança, e trabalhou em diversas ONGS como Ponto de Cultura Vargem Grande e AfroReggae, no Rio, além de outras em São Paulo, e em países como Gana e Haiti, sempre teve o olhar voltado para a luta contra a exclusão social. Ao chegar ao Rio, o número de crianças atingidas por balas perdidas a impactou fortemente. “A cidade adorável não é de todos. E a sensação de apartheid – com a proteção de direitos humanos exercida tão diferentemente em Vigário Geral e no Leblon – me move”.

Em 2014, sua filha nasceu com síndrome de Down, o que naturalmente a levou a estudar a questão e não parar mais. “Passei a notar de maneira ainda mais intensa a sub-representação na mídia de todos esses grupos excluídos socialmente, como etnia, gênero, orientação sexual, deficiência, origem socioeconômica”. E se o livro “Quem sou eu?” teve uma inspiração dentro de casa, foi em seu trabalho de campo e no olhar sensível para questões de diversidades que a levaram a levar o projeto bem além de apenas uma publicação. Nasceu, então, o site diversidadequemsomos.org. “Neste espaço, abordo diferentes questões da diversidade na infância em diferentes contextos, assuntos às vezes difíceis para os adultos e que podem colaborar com a inclusão infantil”

Confira abaixo a entrevista completa com Mariana Reade: 

Como surgiu a ideia do livro “Quem sou eu?”

Em 2010, quando minha primeira filha nasceu, escrevi um blog chamado Bebê Blogando (depois publicado na revista Pais & Filhos) que apresentava o ponto de vista de uma bebê conhecendo a vida na Terra. Eu estudei filosofia e sempre adorei a ideia de um “primeiro olhar” sobre a nossa sociedade. Ao mesmo tempo, quando minha segunda filha nasceu com síndrome de Down, questionei internamente a deficiência intelectual. Afinal, se você se relaciona com um bebê partindo da deficiência intelectual, será que – sem querer – você não pode subestimá-lo? Quem nasce, o bebê ou o diagnóstico? Resolvi olhar para minha filha e não para o diagnóstico. Eu não queria me influenciar pelo olhar de ninguém, nem pelos prognósticos e porcentagens da medicina. Quis enxergar minha segunda filha como enxerguei a primeira, como uma “página em branco”, no sentido de que eu a estava conhecendo! Participei de um programa de desenvolvimento neurológico no Instituto Doman International, nos EUA, e aprendi a fazer um programa de alfabetização para crianças com necessidades especiais. Duas noites por semana, eu preparava os materiais: palavras, frases e livros caseiros que normalmente eram feitos com histórias conhecidas ou material disponível na internet. Mas, como adoro escrever, passei a criar alguns dos meus livros caseiros com histórias originais. Eram aventuras singelas, protagonizadas por minha filha Carolina, pois isso a fazia gostar mais do livro! Ao mesmo tempo, percebi que muitas crianças na escola e na pracinha perguntavam por que Carolina não sabia falar direito. E percebi também que os adultos – com a melhor das intenções – não sabiam bem como explicar. Então criei um dos meus livros caseiros – material de alfabetização – em que a personagem Carolina explicava o que é a síndrome de Down. A professora da Escola NAU (maravilhosa e inclusiva) adorou a ideia de ler o livro na classe. A experiência foi muito bacana porque as crianças gostaram de entender o atraso de linguagem e minha filha se sentiu “empoderada”! Foi aí que reescrevi o livro, focando na minha desconfiança sobre a deficiência intelectual! Na diagramação optei pela separação do texto das imagens em páginas diferentes, a partir do que tinha aprendido no programa de alfabetização do Doman International, em um aprendizado para facilitar a leitura.

Além do livro, o site “Diversidade quem somos” traz uma visão mais ampla sobre inclusão infantil, trazendo histórias de diferentes contextos. Quais os principais assuntos que serão abordados no espaço?

Vou abordar diferentes questões da diversidade na infância em diferentes contextos, assuntos às vezes difíceis para os adultos e que podem colaborar com a inclusão infantil. Os principais assuntos, por enquanto, tratam de diversidade e direitos humanos na infância, como deficiência, exclusão social, racismo, adoção, crianças refugiadas. Os livros serão todos de ficção, mas o site abordará campanhas de sensibilização para a inclusão infantil. Atualmente estou criando um projeto de documentário e que trata de balas perdidas que matam crianças, que considero um dos nossos piores fracassos morais como sociedade. Também faço parte de um projeto educativo para a prevenção da violência e do abuso sexual na infância (Eu Me Protejo). Sou conselheira da GADIM (Aliança Global para a Inclusão das Pessoas com Deficiência na Mídia e Entretenimento) e voluntária na Cruz Vermelha espanhola na área de refugiados.

Você pretende lançar outros livros ampliando o olhar de outras formas de exclusão infantil, como racismo, desigualdade social, de gênero etc.?

Sim, “Quem sou eu?” é o primeiro livro de uma coleção que discute temas de diversidade na infância, como deficiência, adoção, racismo, refugiados, entre outros. A narrativa se dá sempre pelo ponto de vista da narradora criança, dialogando sobre as várias formas de exclusão infantil, para promover a diversidade e a inclusão. A questão de gênero será transversal. Em cada livro da coleção, uma protagonista menina vive desafios relacionados à inclusão no Brasil atual. O segundo livro da coleção já tem a primeira versão do texto. É sobre uma menina refugiada que consegue sair da Ucrânia em guerra e chegar ao Brasil. Um dos livros – provavelmente o terceiro – será sobre famílias homoparentais. A personagem terá dois pais ou duas mães. O último livro da coleção tratará de racismo e desigualdade social, abordando o ponto de vista de uma criança que sofre com as operações policiais na favela da Maré.

Quais são seus planos futuros dentro do projeto?

Além da coleção de livros infantis, quero criar conteúdo audiovisual, abordando os mesmos temas, adaptando os livros para animações e criando um canal no Youtube para tratar de diversidade e inclusão. Para isso, estou tentando encontrar parcerias de empresas privadas comprometidas com a agenda ESG – essencial atualmente – e que possam apoiar o fomento à diversidade e a inclusão através da criação de conteúdo infantil. Além disso, penso que geração de riqueza, propósito social e comunicação podem e precisam caminhar de mãos dadas por um mundo melhor, unindo propósito a todas as atividades produtivas da nossa sociedade. Acredito em um capitalismo humano, onde o lucro é combustível para fazer nosso barco navegar em segurança e chegar ao seu destino. É preciso ter gasolina, mas também é preciso ter a bússola em mãos para encontrar a melhor das rotas no vasto oceano. Meus planos futuros para o projeto englobam parcerias com empresas para que descubram e expandam seu espírito colaborativo e propósito social, de acordo com o conceito de capitalismo humano.

E como você vê a situação do Brasil dentro desse cenário desigual? 

Vejo o cenário desigual no Brasil uma verdadeira tragédia. As políticas públicas precisam avançar enormemente em termos de bem-estar social, mas também em termos de Justiça e Direitos Humanos. Em termos de políticas públicas, temos problemas seríssimos em relação à diversidade. Analisando os últimos 20 anos, tivemos progressos como a Lei de Cotas e a Lei Brasileira de Inclusão, ainda que na prática a realidade seja outra, houve avanços legais. Porém, no atual governo federal, tivemos retrocessos tanto no debate quanto nas políticas públicas em vários aspectos de direitos humanos da diversidade. Precisamos avançar enormemente em termos de proteção, bem-estar social, educação inclusiva e respeito aos direitos humanos. Penso também que precisamos – e podemos – avançar como sociedade civil. As empresas poderiam oferecer alguma assistência aos funcionários que têm crianças com necessidades especiais? Proprietários de escolas privadas poderiam se esforçar mais para implementar programas de inclusão e não negar matrícula ou convidar alguma criança a se retirar? Emissoras de televisão, rádio, produtores, diretores e roteiristas poderiam trazer mais diversidade aos seus personagens, englobando raça, gênero, orientação sexual, deficiência? Empresários poderiam investir mais em seus programas de Diversidade e Inclusão? Podemos aumentar nossa responsabilidade individual, criando uma ética na desigualdade social? Acredito que sim, acredito que cada um de nós pode contribuir com suas próprias ferramentas. Para responder a todas essas questões, recomendo o livro do filósofo Peter Singer: “A life you can save”. 

Todos nós convivemos com a diversidade e acredito que o olhar de cada um de nós pode se tornar mais inclusivo.

Por Alessandra Carneiro.

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